segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Tiago VS Gonçalo


Se uma das coisas que mais gosto de fazer é viajar (e de ler) a chamada “literatura de viagens” teria inevitavelmenteque vir parar à minha mesa de cabeceira. Li outros, mas falo hoje sobre dois jovens viajantes e jornalistas, mais ou menos da mesma geração, e sobre o que os diferencia. Isto porque li há pouco “Viagens Sentimentais” do Tiago Salazar, e lembrei-me do Gonçalo Cadilhe. Ambos escrevem de forma escorreita, quase lírica por vezes, mas arejada. No entanto, uma coisa fundamental separa os dois. O (bom) humor do Tiago é subtil, inteligente, irónico, e acima de tudo frequente. Já o do Gonçalo, hum, nem por isso.


É que o Tiago Salazar tem uma particularidade que o diferencia. Por exemplo, não se envergonha de pernoitar, por vezes, em hotéis de charme europeus, não considera abjecto frequentar bons restaurantes de nouvelle cuisine em Beirute, não tem nojo de resorts, não acha que viajar de avião é contra-natura.


Já para o Cadilhe, viajar é só percursos alternativos (ignorando aEuropa), é andar em África em autocarros pré-históricos, com pessoas transpiradas e galinhas lá dentro, todo ele é pernoitar em espeluncassul-americanas. Enfim. Não nego que sejam realidades interessantes eque o mundo, de facto, tem muita pobreza e precaridade. Mas não haverá no Gonçalo Cadilhe uma espécie de “Cristo indie”? Alguém que gosta deenveredar sempre pelo caminho pior para mostrar quão alternativo se é? Para exibir quão execráveis são o sistema capitalista e o turismo de massas? Para alardear que se é muito neo-hippie?


Penso que sim. E creio que é isso que dá ao Gonçalo alguns “maus fígados”, e que, enfim, é por isso que ele tem muito pouco humor nos seus relatos de viagens. E ainda por cima com tendência grave para falar mal de Portugal a toda a hora, que é uma coisa que lhe fica, digamos, mal. É que isto de sermos “iconoclastas da cultura mainstream”, de chamar porcos capitalistas aos que preferem o Alfa Pendular a comboios apinhados de gente na Índia, resulta num mau humor e numa carantonha parecida à do Jerónimo de Sousa, a achar que o mundo é todo um inferno de injustiças e maldade.


O Tiago, pelo contrário, com bom senso e equilíbrio, alterna sabiamente as privações de uma tenda nos Himalaias com uma mansão colonial em Goa, e por aí fora. São estas opções diversificadas que lhe conferem uma saudável bonomia, uma ironia versátil e um estilo de escrita atento, mostrando o que há de bom e de mau, sem nunca cair na superficialidade. Tão diferente da desnecessária auto-flagelação em pensões colombianas ranhosas.

4 comentários:

  1. O Cadilhe acompanhou-me no meu primeiro Interrail e é sem dúvida um dos responsáveis pela forma como eu vejo o acto de viajar. Mas ao cabo de mais 2 ou 3 livros fartei-me dele, o de África acho que nem terminei. Tenho o Tiago na prateleira há alguns 4 anos. Deste-me um incentivo para o abrir.

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  2. Já o Gonçalo tornou-se demasiado alternativo para mim (ou eu demasiado burguesa para os livros dele) ;)

    Penso que o Tiago Salazar é uma agradável surpresa, neste tipo de leituras.

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  3. Não conheço o Tiago mas tenho que ir procurar. O Gonçalo por vezes é um pouco aborrecido, se se pode ser quando falamos de viagens ;)

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  4. Também não conhecia o Tiago, e não sei se ele tem mais livros de viagens, mas este é uma boa sugestão.

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