terça-feira, 21 de novembro de 2006

Impressões: Budapeste

Entre o classicismo imperial de Viena e a harmonia musical de Praga, nunca ninguém lhe faz justiça. Budapeste surge distante, inacessível, misteriosa. Qualquer comparação é injusta. Budapeste deve ser vista só por si.
Quando lá fui, gostei da cidade mas não sabia bem definir o que nela senti.

Entre os boulevards novecentistas a lembrar Paris, os antigos cafés, que agora são revitalizados após décadas a serem "condenados" ao anátema de "burgueses", a magnificência do Parlamento, os monolíticos edifícios do tempo do socialismo e da ocupação soviética, e os românticos cruzeiros no Danúbio (que não é só o azul vienense: não, não é), fica-se um pouco baralhado, sem saber o que dizer desta cidade que foge, deliberadamente, a qualquer descrição banal de uma qualquer capital europeia. Tanto que, só alguns anos mais tarde, os meus sentimentos tomaram expressão nas palavras certeiras do Gonçalo Cadilhe, que lhe captou a alma tão bem.

Porque Budapeste é, antes de mais, uma cidade cheia de alma. Por detrás da sua austeridade hermética, há que, delicadamente, lhe ir descobrindo os segredos e o encanto, a sua história milenar (literalmente: a Hungria tem cerca de 1100 ou 1200 anos, de refractária persistência, de refractário orgulho magiar) e uma resistência soberana que aguentou turcos, o império austro-húngaro, os alemães, os sovietes, e deixou intacto o património linguístico, igualmente misterioso (de onde vem a impenetrável língua húngara?), igualmente único no Mundo. Só um país digno, com uma digna capital, tem um monumento erguido na Hösök Tere (Praça dos Heróis) dedicado às suas províncias perdidas no decurso da Segunda Grande Guerra (como é o caso da Transilvânia, perdida para a brumosa Roménia). Foi a frase que eu ouvi de alguém, quando estive nessa praça imponente.
Para não falar na esperiência espiritual de entrar pela primeira vez numa sinagoga, e, na penumbra, dar largas ao espanto, descobrindo formas e cores e estilos desconhecidos - por sinal, a maior do mundo, a seguir à de Nova Iorque.
E acessível, lá, só mesmo a extrema simpatia e humildade, irresistíveis e cativantes, dos húngaros.
E mesmo assim permanecer bela e inacessível, como quando se olha, do lado de Buda - a partir do Bastião dos Pescadores - para o lado de Peste, por sobre o rio escuro e solene, numa tarde de início de Outono.

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