sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007
Um dia, quando eu estava em Cuba, houve um episódio. Quase todas as manhãs, muito cedo mesmo, eu sentava-me na varanda que dava para um jardim. Que, por sua vez, era perto de uma paragem de autocarros, onde todas as manhãs vi pessoas deslocarem-se para os seus trabalhos ou para a escola. Eu sentava-me na varanda, de manhã, como gosto de fazer nos trópicos: para sentir o ar quente e os sons exóticos que chegam até mim, misteriosos como segredos. As pessoas, ao alcance do meu olhar, ao longe, esperavam de pé as camionetas que as levariam para mais um dia de trabalho. Uma dessas manhãs, eu estava quase a voltar para dentro do quarto, ouvi um assobio. Vinha de baixo, do homem que estava a tratar do jardim. Chamou-me, fiz que não ouvi, fui para dentro. Houve uma segunda e última vez. E nunca um gesto me tinha feito sentir tão cobarde, com vergonha do meu pudor perante a pobreza, a privação, como se fosse melhor voltar o rosto e fingir que não existiam. Vergonha, da minha própria falta de coragem, perante aquela pessoa que trabalhava – as mãos calejadas, o rosto escuro curtido do sol, um chapéu – que eu pensava que me ia fazer os comoventes pedidos do costume (canetas para os filhos, e outros objectos básicos para os padrões europeus). Da segunda vez, chamou-me de forma mais insistente, não consegui ignorar. De baixo, não vieram pedidos nem lamentos pela vida dura. De baixo, atirou-me apenas uma flor do (seu) jardim.
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